Quando Manuel Pereira de Melo olhou para os solos das vinhas de Santa Comba Dão idealizou ali recriar os grandes clássicos da região, vinhos profundos, nobres e com uma austeridade que só largos anos transformam em elegância.
A concepção por trás destes vinhos é que nada influi tanto na sua qualidade e valor como o passar dos anos. Relembrando Saint-Exupéry, que escrevia que “foi o tempo que perdi com a minha rosa que a fez tão importante”, também aqui se percepciona a incontornabilidade do tempo na criação da magnificência.
E, da colheita de 2011, é somente agora lançado o Primado tinto, um “blend” de Touriga Nacional, Tinta Roriz, Alfrocheiro e Jaën, com primazia da primeira. O resultado alcançado, fruto também da intervenção da enóloga Patrícia Santos, uma crente na intervenção tradicional, minimalista, mas cuidada, é um vinho de cor rubi no centro do copo, evoluindo para um vermelho marsala nos rebordos. No nariz espelha o Dão, com notas de caruma, bosque, musgo, ténue alcaçuz, sem a fruta mostrar evidência, predominando o floral. Na prova de boca encontramos um vinho clássico, onde o tanino nada deve à timidez, mas evolui com suavidade, elegância, mostrando um corpo médio, enorme persistência, frescura e equilíbrio. Um verdadeiro vinho de lagar, sem quaisquer influências tecnológicas, o que nos permite viajar no tempo e recordar grandes vinhos do Dão de há 40 e 50 anos (por acaso, bebi um há dois dias de 1966).
Por este vinho há que saber esperar. E essa espera é um acto de inteligência quase sensual, por sabermos aquilo que com isso iremos ganhar. Por termos sabido, pacientemente, aguardar pelo prazer que nos tocará.