A propósito do mais recente livro lançado por Virgílio Loureiro e Manuel Malfeito Ferreira, intitulado “Vinho Sentido”, escrevia eu há pouco que a obra aborda uma nova forma de olharmos e apreciarmos a prova do vinho sob um lado mais emocional. Se os autores se pretendem afastar das metáforas, reconhecem, desde logo, que a prova do vinho envolve a história, a enologia, a psicologia, a estética e toda uma paleta de circunstâncias, entre elas o terroir, que servirão para ajudar a dar corpo à prova. E, tendo por base o terroir, eu pegaria, para falar deste Sousão, num dos factores fundamentais da composição do terroir: o factor humano.
Desde que comecei a provar os vinhos 100 Hectares nunca os consegui dissociar dos irmãos Brás (Filipe Bras Filipe e André Brás). E, ao longo deste, talvez, último ano fui lendo, observando e interpretando um pouco da sua personalidade que se expressa nos vinhos que criam e na sua filosofia de trabalho. De trabalho, não, de muito trabalho! Porque se há percepção que tenho desta dupla é que ali não há espaço para amadorismos ou atitudes complacentes. Há uma absoluta dedicação à arte de fazer vinho, que começa nas vinhas jardim de que cuidam, passa pela qualidade extrema da uva que levam até à Adega, pela sublime escolha das barricas utilizadas, até à imagem que trouxeram à roupagem das garrafas. Nada aqui é descurado e, por vezes, nem imaginamos o esforço hercúleo que esta gente coloca naquilo que faz.
Daí que, toda a força e raça que estes homens mostram, tem a sua extensão nos vinhos que idealizam.
O SOUSÃO 2018 é todo ele raça. De cor quase opaca, violácea, tem um nariz vertiginoso, que permite à uva expressar a sua natureza, a fruta preta (amora, mirtilo), floral, balsâmico, especiado, evidenciando, depois, a qualidade da barrica de carvalho francês com o cacau, torrefacção. Na boca, apesar da estrutura firme, persistência, revela igualmente a candura e bonomia que aqueles irmãos mostram quando nos permitem conhecê-los melhor. E, surge depois, aquilo que faz tanta gente render-se aos vinhos da 100 Hectares, a fineza dos taninos, uma quase cremosidade e o seu carácter longo. E o mais curioso deste Sousão é que, não fugindo à regra dos vinhos de elevado teor alcoólico que marcam esta casa, a sua percepção é aqui menos notória, atendendo à acidez perfeita, e muito elevada, e à frescura que lhe permitiu ser uma muito agradável companhia para um Galo Assado de antologia, que, no meu caso, ainda teve um mais um acompanhamento de um Bacalhau tão famoso naquela pequena aldeia do Colmeal (Mira).