QUATRO ESTAÇÕES – Renovação Tranquila

Em Anadia, coração da Bairrada, o restaurante Quatro Estações era, desde meados dos anos 90, uma referência incontornável numa cidade onde não abundavam as ofertas de uma boa mesa. Até ao final do ano passado, o estabelecimento liderado pela exímia cozinheira e doceira Maria Generosa Ferreira era quase o único porto de abrigo dos comensais desta histórica povoação, onde a restauração, desde tempos imemoriais aportou quase na exclusividade à beira da Estrada Nacional 1.

A completar 80 anos, a até então timoneira do Quatro Estações entendeu que estava na hora de encerrar a sua actividade, mas a preocupação com a continuidade do seu legado, fê-la adiar a passagem do testemunho.

A boa notícia, para ela e para todos nós fiéis comensais, ocorreu já no final do ano passado, altura em o que o restaurante foi negociado com um “filho da casa”, Carlos Fernandes, o exímio Chef que liderava a cozinha do mui afamado Rei dos Leitões, cuja carreira tinha, coincidentemente, sido iniciada naquele espaço de restauração da capital do espumante.

Encerrado no final de Dezembro para obras, não demorou um mês para que todas as curiosas almas pudessem entrar pelas portas do renovado restaurante que, sem perder a alma que lhe deu fama, soube ali operar uma revolução tranquila.

Ao entrarmos pela, agora, porta de vidro, constatamos que tudo mudou. E mudou bem! Nas salas predominam as cores claras, entre brancos, bejes e castanhos suaves de um inegável bom gosto. Há, desde logo, uma luminosidade que atravessa as salas e valorizou o espaço. A amesendação é cuidada, com toalhas de algodão bem engomadas, guardanapos de pano e copos que respeitam os vinhos, valorizando o seu consumo.

Olhando para a ementa, verificámos que houve preocupação em não fazer uma radical revolução, pelo que foram preservados alguns dos pratos ícone do restaurante.

Sentados à mesa, somos acolhidos com pão e broa de diferentes texturas e composição, cuidadosamente acomodados numa saca de linho. Para além dos típicos manteiga e azeitonas (regatas com bom azeite), há ainda as opções dos queijos – fresco, serra e amanteigado alentejano – e uns belíssimos rissois de berbigão e pastéis de bacalhau. Para além do prelúdio anterior, a lista apresenta ainda, no capítulo das entradas, os Ovos mexidos com farinheira,  Gambas com molho de alho e cebolinho, Folhado de queijo da serra, nozes e mel e um vistoso Brás de alheira.

Saltando para os pratos principais, brilham desde logo cinco pratos de bacalhau, sendo as suculentas postas confeccionados em três pratos distintos – Bacalhau à Chefe,  Bacalhau à Lagareiro,  e Bacalhau confitado com creme de batata e espargos verdes. E porque este fiel amigo merece a respeitabilidade dos portugueses desde o século XVI, a lista de pratos oferece-nos ainda a Açorda das suas bochechas, com coentros  e um altaneiro Arroz de línguas do dito, com grelos e ovo escalfado. A opção da diária – prato a um preço médio de 8,00 € – alarga a oferta piscícola a mais três pratos diários, que se conjugam com os outros constantes da lista – Lulas  grelhadas,  Arroz de gambas,  Espetadas de lulas com gambas,  Risotto de polvo e a Cataplana de tamboril.

O capítulo das Carnes é igualmente rico e encontra-se dividido entre a vaca – Bife à Casa,  Delicioso, À Patrão, À Quatro Estações e Três Pimentas, Picanha na grelha com molho de alho, Lombinho de Vitela e o Surf & Turf (camarão tigre e bife da vazia) – o Porco – Febras grelhadas, Lombinho de porco preto com abacaxi, Espetadas de Lombinho com gambas e as Plumas de porco ibérico com puré de maçã – e o Frango – Strogonoff e Bifinho na grelha com maçã e batata ao sal. Do Monte, pontificam ainda na extensa carta de carnes o Folhado de perdiz em emulsão de mostarda e tomilho e o Arroz de lebre com cogumelos e alecrim.

Na Doçaria, seria sacrilégio se não fosse respeitada a longa tradição desta casa na arte de trabalhar o açúcar. Daí que figurem na lista, para além da Panacotta com calda de frutos vermelhos, a Tarte de pastel de nata com gelado de limão, o Bolo tépido de chocolate, frutos vermelhos e gelado de nata, os já clássicos Barriga de Freira, Pudim da Avó, Natas do Céu, Leite Creme, Mousse de chocolate ou o Semifrio de leite condensado com chocolate quente.

Numa terra que se assume como capital do espumante e detentora de históricas casas produtoras de vinho, a Carta de Vinhos foi a componente que conheceu a revolução mais significativa, mas que se mostrava muito necessária. Desde logo, o Vinho a Copo conhece aqui um tratamento exemplar, sendo apresentada mais de uma mão cheia de opções, com particular enfoque nos tranquilos da Bairrada e, naturalmente, nos espumantes. No entanto, são igualmente privilegiadas outras regiões distintas do país. Na Carta, surgem logo na grelha de partida 12 espumantes Bairrada, 9 brancos e 16 tintos da região dos solos argilo calcários. Outras regiões nacionais são também contempladas nesta carta, por si notável para o patamar do restaurante, no entanto, e “comme il faut”, é  na Bairrada que a mesma se deve centrar e com preços que respeitam o consumidor e o convidam a experienciar sem recear a conta final.

Particularmente notável, foi a rápida adaptação dos colaboradores de mesa deste restaurante que, inteligentemente, foram mantidos pelo actual líder do projecto. E, aqui, destaco especialmente a Ana Maria, estimada amiga desde há cerca de 20 anos, que inicialmente me confessava o receio pelo upgrade da carta de vinhos e do serviço, e a quem as mãos só tremeram um pouco no dia da inauguração. Hoje é uma feliz e competente aprendiz de sommelier, que trata os vinhos por tu e os fiéis e novéis clientes com o carinho de sempre.

O Quatro Estações revolucionou-se tranquilamente, tornou-se mais exigente e estou certo que se tornará um local de constante romaria em busca da melhor cozinha que a região nos pode oferecer, complementada por uma escolha de vinhos adequada e perfeita.

 

Quatro Estações
Avenida 5 de Outubro, nº 22
3780 – 202 Anadia
Telef: 231 504 396

A Lei do Vinho

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